Hoje eu tive um dia bem difícil. E eu gostaria de cotar pra vocês por dois motivos: Eu NUNCA aceitei a morte. E eu ainda duvido um pouco que as pessoas que eu amo um dia, talvez, quem sabe. vão morrer.
Minhas avós sempre foram as mulheres mais fortes do mundo. Sempre.Donas da vida, donas de todas as decisões, donas de nós todos e donas da morte também (e só quem chega perto do poder das minhas avós, é minha mãe e minha mana, que são mulheres esquisitas de tão fortes e potente).
A minha vó paterna morreu quando eu era criança, praticamente na minha casa. Nós não éramos tão próximas quanto eu sou da minha vó materna, por uma questão de convivência, mas tenho certeza que nosso amor é muito maior do que sabemos.
E minha vó Carlota, essa que mora conosco, a morte não significa absolutamente nada pra ela.
Acontece que desde que ela descobriu o Alzheimer eu é que experimentei a vontade de morrer. E desde então o meu maior medo é que ela esqueça de mim, e de nós.
Ela sempre foi muito bem cuidada, e por isso a doença estava muito bem controlada. Mas esse quadro mudou nos últimos dois anos. A doença avançou muito, muito! Nossa vida mudou demais e tudo piorou. E isso quer dizer que a morte se aproximou.
A Maria chegou, e a Maria parece que é o antídoto da morte da minha vó. Mas a Maria, ela não é maior que o tempo. Pelo contrário, ela é pequena (e gigante também) e isso quer dizer que ela não pode ter a responsabilidade pela vida da minha vó, nem de ninguém. Nós que temos responsabilidade pela vida da Maria.
A pior doença do mundo é o Alzheimer. Ela é a pior de todas. Todas. Porque por mais que haja sofrimento, as outras doenças não te roubam a sua memória, então o doente sofre junto com a sua história.
A gente vive pra lembrar. As conquistas, as histórias, as coias boas e más. Todas as coisas da vida, a gente vive é pra lembrar. E se você não lembra mais, eu já não sei se há vida.
Ontem eu conversei muito com um amigo muito querido, o tio Joacyr, e ele me dizia sobre da dor que foi se despedir de uma pessoa amada.
E eu disse a ele exatamente aquilo que eu sei, mas não exerço. Eu disse a ele exatamente aquilo que eu precisava ouvir. Eu disse a ele que tem morto mais vivo que muitos de nós. Pois a pior morte é o esquecimento e o desencanto. E isso, as nossas velhas nunca vão experimentar. Nesta mesma conversa eu disse a ele o quanto eu ainda preciso melhorar, o quanto eu ainda sofro com esse assunto. Então esse meu amigo me disse uma coisas que eu já tinha ouvido muitas vezes, mas que pela primeira vez me tocou: somos egoístas.
Nossas velhas merecem e precisam de descanso. Elas que a vida toda cuidaram tão bem de nós, debilitadas já não podem cuidar de mais ninguém, nem delas. E em outro plano talvez possam cuidar de nós...
Engoli a seco.
Hoje eu acordei bem cedo e fui junto com a Maria passar o dia com minha vó. E vi o quanto ela esta a cada minuto mais debilitada, já não consegue fazer coisas mínimas.
Senti muita saudade da minha vó, muita. Com ela do meu lado eu senti saudade de quem ela era, de quem ela foi a vida toda pra mim.
As vezes parece que ela já não está mais aqui. E isso é a maior dor do mundo. E as vezes parece que ela está em todos os lugares, especialmente quando ela está com a Maria.
Ela quase caiu hoje. Me bateu, mentiu... Ver ela obediente é o que mais me dói. Minha vó nunca obedeceu a absolutamente ninguém, nem a vida e nem a morte.
Quando está com a Maria minha vó sempre desobedece, e isso quer dizer que ela está viva. Hoje ela deu refrigerante pra Maria, e duas palmadas na menina.
Bem, eu estou dizendo isso porque gostaria que vocês soubessem o quanto é importante cuidar de seus velhos. Cuide de seus velhos! E esteja vivo, com eles e para eles.
Eu realmente gostaria de pedir pra vocês cuidarem com amor de seus velhos, exatamente da maneira que eles gostariam de ser tratados, com afeto e humanidade.
Se a morte chegar eu vou chorar de saudade e nunca de remorso.
E a Maria vai saber cuidar de mim, pois me vê e me verá cuidando da minha mãe.
É só isso.
